Médico, humano dentro do

De Enciclopédia Médica Moraes Amato
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O médico é preparado para Conviver com o sofrimento e enfrentar a Morte. No primeiro ano de Faculdade seu estudo de Anatomia se inicia pelo Aparelho locomotor. Durante meses ele estuda ossos. São peças humanas, cujo Contato não provocam, ainda, um impacto emocional. Iniciado nesse campo, passa para o estudo dos músculos. Já no Caso há esse impacto, mas ele foi preparado no decorrer do estudo dos ossos. Disseca os músculos e vê os membros, bem como os segmentos do cadáver, muito mais como peças para estudo do que, propriamente, como partes de um semelhante. Indiscutivelmente, é uma das pesadas fases de sua formação. Ele é muito jovem e, por mais entusiasmo e alegria que tenha pela vida, tem profundos conflitos íntimos no Ambiente do laboratório de Anatomia. Longas horas de estudo alimentam grande esperança de saber. Naquelas peças de segmentos de um Corpo humano ele sente e vê a grande Beleza da arquitetura da natureza. Assim, no Cadáver ele vai, progressivamente, desvendando os mistérios e conhecendo o Corpo humano.
A seguir, o futuro médico passa a estudar a Anatomia Topográfica. Utiliza então o Cadáver inteiro para seu estudo. Ocorre, porém, que a Técnica anatômica para preparar e conservar o Cadáver determina a raspagem dos Cabelos. O Cadáver assim preparado é fixado em formol. Na mente do aluno permanece aquela imagem mais virtual do que propriamente real, parecendo mais uma peça do que o seu semelhante.
Quando, com o decorrer dos anos, se inicia no estudo da Anatomia Patológica, o aluno vai à sala de autópsia, vê o Cadáver com cabelos, sem a conservação do formol e com Sangue a escorrer do corte, há sem dúvida grande impacto. É profunda e muito sensibilizante a primeira experiência dessa natureza. Muitas vezes a família está muito próxima, em prantos. Não há quem não tenha seu Coração tocado defrontando-se com tal quadro. Ele se repete ... !
Assim treinado e conhecendo o homem Normal e as Alterações causadas pela doença, ele inicia seus estudos de clínica. Aprende a examinar o doente. Vai para o Hospital; faz plantões. Um primeiro doente grave morre em suas mãos. Ele presencia o mais drástico momento da vida - a chegada da Morte.
Neste quadro de Tristeza sempre há uma chama de esperança. Ele espera Poder tirar de cada sofrimento um ensino, e de cada malogro, um êxito para o próximo doente.
O jovem que vem freqüentemente sofrendo tais impactos deve ter estrutura emocional para suportá-los, e, assim, progressivamente, essa Capacidade vai se fortalecendo.
Tais características na formação do médico e a constância com que os extremos - vida e Morte - se encontram em seu dia-a-dia fazem dele uma Pessoa diferente dentro da sociedade. Dele se exige muito. Exige-se mais do que o Trabalho. Exige-se o Trabalho dia e noite, a qualquer hora, e uma Fibra emocional a estirar constantemente. Em recompensa, a sociedade oferece pouco e cada dia está a oferecer menos e exigindo ainda mais.
Além de todos os percalços em decorrência da maneira de trabalhar, o médico ainda, muitas vezes, torna-se vítima, pois é o mais confiante dos profissionais. Este Fato decorre de estar acostumado a ouvir sempre a verdade. Até mesmo os criminosos no momento da dor, quando assistidos pelo médico, dizem-lhe a verdade. Tal condição cria em seu subconsciente a Concepção errônea de que todos só falam a verdade. Essa é uma inverdade de que a escola não o previne e que a vida vai, a duras penas, ensinar-lhe.
Vivendo um estilo de vida muito peculiar dentro de uma Consciência de sofrimento e da dor, o médico sente grande gratificação emocional em seu Trabalho. Particularmente ao atender o doente grave e de urgência, ele se desliga de tudo para se concentrar no doente. Ele dá o melhor que tem. Trata a todos igualmente. Em seu Trabalho não discrimina grupo étnico, sexo, idade, condição social ou Religião. Trata o Enfermo como gostaria de ser tratado. Aí está seu segredo. Ele nada faz diferente do que espera que lhe façam, se um dia estiver em tal situação. É segredo elementar mas que, de tão simples e até mesmo banal, alguns esquecem. A coexistência com o sofrimento torna-lhe habitual dar o devido valor aos fatos e real dimensão às coisas. E que Tristeza será a vida do médico que, vivendo dessa forma, não vê dessa maneira! Que infeliz será aquele que, vendo e enxergando, não procede para com seu semelhante como gostaria que fizessem consigo próprio nas mesmas circunstâncias!
Meditando sobre o aprendizado e o exercício da medicina, sinto que o morto ensina ao vivo sobre a vida e o vivo aprende sobre a Morte com a vida.