Anestesiologia e seus riscos

De Enciclopédia Médica Moraes Amato
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Há, entre as 65 especialidades médicas oficialmente reconhecidas no Brasil, algumas que, pelo maior Risco de estarem envolvidas com problemas de Erro médico, se sobrepõem às demais. Refiro-me particularmente à Anestesiologia. Acredito que, entre os fatores que mais a expõem ao risco, está a diversidade de seu campo de ação em todas as idades, em grande Parte das doenças, exigindo conhecimentos sérios e diversificados para domínio total e pronto sobre as funções vitais, fazendo dormir, abolindo todos os reflexos, acordando e revertendo todos eles, assistindo a respiração, mantendo-a artificialmente, parando o Coração e reanimando-o, interferindo no Metabolismo e equilibrando-o. Há de se compreender que, para Poder não cometer erros, é necessário competência adquirida através de estudo teórico, com muito conhecimento obtido pela prática ao lado de especialistas experientes, grande habilidade manual, autoconfiança, tranqüilidade e prontidão de atitudes. A situação de Trabalho desse especialista é extremamente estressante e seus conhecimentos são postos em jogo a cada minuto que passa, durante todo o tempo em que assiste o doente, até a recuperação completa de todos os reflexos e funções inibidas e, ainda mais, até a Eliminação total de todos os Medicamentos inalados ou injetados. Todos os momentos de uma Anestesia são críticos, seja ela de menor ou maior duração e de qualquer natureza. O Risco perdura ainda por um Período chamado pós Anestésico. É natural que o risco, embora constante, tenha probabilidade e intensidade variáveis, dependendo, é claro, de múltiplos fatores. Na impossibilidade de se definir pontos críticos, uma vez que, no caso, o mais adequado seria chamar-se de percurso de alto risco, vou indicar fases em que a natureza do Perigo se altera, tornando muitas manifestações mais prováveis. Fase pré-anestésica - É fundamental a Avaliação adequada do Paciente por Parte do Anestesiologista na véspera das operações seletivas ou mesmo antes da operação de urgência. Nestes últimos, deve prepará-lo dentro das possibilidades do caso, adequadamente ministrando os Medicamentos pré anestésicos que produzem um relaxamento global do Paciente e inibem os reflexos vagais. Nessa Avaliação deve ser considerada a condição de Estresse que o Paciente sempre apresenta em maior ou menor intensidade, traduzida muitas vezes por elevação da Pressão arterial, o que, por si só, não justifica a transferência da operação, no Caso das seletivas, uma vez que, em outro dia, é maior a probabilidade de o Paciente voltar mais tenso. O material e o instrumental devem ser preparados, devidamente testados quanto ao funcionamento e dispostos na mesa dentro de Técnica convencional. Fase de indução anestésica - Nessa fase, a concentração dos anestésicos é alta e está sendo posta à prova a Sensibilidade e a reação do Paciente aos Medicamentos. Esse momento exige Atenção muito grande para identificar respostas adversas à Droga. Fase per anestésica - Durante a Anestesia o doente deve ser mantido sob a Atenção permanente do anestesiologista, acompanhando-o atentamente e controlando suas condições ventilatórias e cardiovasculares. A saída do Anestesiologista da sala de operação é inadmissível. A monitoração por aparelhagem garante melhor assistência, mas jamais pode justificar que o médico se ausente da sala de operações. Fase de recuperação anestésica - Esta fase é a da volta às condições prévias à Anestesia. Nela o Paciente vai readquirindo os reflexos. Costuma apresentar, com muita freqüência, náusea e vômito. Alguns dos Medicamentos utilizados como o Halotano e o Protóxido costumam produzir muita náusea. As condições de Hipóxia produzem espasmos nas vias aéreas. Há, simultaneamente, estímulo vagal. A própria sonda endotraqueal estimula o Reflexo do vômito que, no Caso de o Paciente estar com o Estômago cheio de alimentos, produz uma Abertura da Cárdia e conseqüente Refluxo do Alimento. Este, regurgitando, é vomitado e parcialmente aspirado pelas vias aéreas, cujos reflexos ainda estão parcialmente inibidos. Tal Aspiração pode produzir pneumonia com graves conseqüências, sendo, às vezes, letais. A preocupação com o doente nessa fase é tão grande que se instalou a sala de recuperação anestésica, onde vários doentes são permanentemente assistidos por anestesiologistas e Enfermagem especializada. Além de exigir do Anestesiologista todas as qualidades indicadas, o exercício da especialidade apresenta Caráter Sui generis como assinala Mathias, quando Presidente da Seção Paulista da Sociedade Brasileira de Anestesiologia (1984), decorrente do Fato de haver uma relação direta entre Causa e efeito, já que, no ato anestésico, a ocorrência de qualquer problema provoca um efeito imediato. Uma especialidade tão difícil e de alto Risco foi exercida durante longos anos, concomitantemente, pelo próprio cirurgião, quando não pela irmã de caridade das misericórdias. A Sociedade Brasileira de Anestesiologia foi das pioneiras em instituir no país o exame para conceder o Título de Especialista. O exame rigoroso feito por Comissão Examinadora vem avaliando a competência dos que desejam exercer a especialidade. Esse Procedimento sem dúvida alguma elevou o nível de todas as especialidades médicas no país. Com esses elementos, fica fácil saber quem está habilitado a fazer Anestesia e, por conseqüência, também quem não está. Guilherme F. Ferreira revelou um dado que representa uma séria denúncia, pela qual se torna fácil localizar os mais prováveis responsáveis por erros na especialidade. Ele informou, na época, que existiam registrados, em São Paulo, como anestesiologistas, cerca de 1.200 profissionais e, no Brasil, pouco mais de 4.500. Ainda segundo Ferreira, pelo hollerith da Previdência pode saber-se que existiam registrados em serviços de Anestesia o dobro dos profissionais reconhecidos pela Sociedade. Francis Moore, em palestra pronunciada na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, já atribuia àqueles que, nos Estados Unidos, não passam nos exames oficiais para Poder exercer a profissão, e que assim mesmo continuavam a exercê-la, a maior responsabilidade, comprovada pelo grau de problemas iatrogênicos americanos. É de se admitir que os não comprovadamente habilitados tenham mais probabilidades de não saber sair de situações difíceis, pois não freqüentaram os cursos de reciclagem, não participaram de Congressos. Aquele autor americano afirma que certamente estão utilizando técnicas ultrapassadas ou repetindo a mesma Técnica em todo Tipo de Cirurgia. Talvez se deva à Sociedade Brasileira de Anestesiologia o mérito de a especialidade estar entre as menos denunciadas por Erro médico entre os julgados que levantei: 1/89, ou seja, 1,12%. Esse dado é suficiente para evidenciar que o Mínimo Controle sobre a Qualificação profissional dá resultados benéficos. Acrescente-se neste ponto a tendência moderna de se criar no curso médico uma Disciplina denominada Reanimação que deverá ter sua atuação predominantemente nos Prontos Socorros onde, com maior freqüência, ocorrem os casos graves de elevado Risco de vida, produzidos por múltiplas causas. Certamente o especialista a cuidar desse assunto deve ser o anestesiologista, uma vez que sua formação já reúne maior número de pré-requisitos necessários.