Idéias, reciclagem
No campo da ciência, a verdade, pelo seu Caráter transitório, é permanentemente posta à prova graças à aquisição de novos conhecimentos. Esse dinamismo torna, a cada momento, obsoleto o que parecia consolidado e duradouro. A evolução do conhecimento é muito rápida e não uniforme. Acredita-se que o tempo médio de vida da verdade em medicina seja de oito anos. O que significa dizer que metade do que foi ministrado na Universidade e no Programa de Residência deixa de ser verdade em oito anos. O conhecimento científico tem valor temporário, pois descobertas ou noções recentes podem abalar outras que perduram durante séculos. Transitoriedade é uma de suas características. Considerando as áreas do saber, das ciências humanas às exatas, as biológicas ficam em posição intermediária. Nestas está a medicina e, nela, os fatos comportam-se dentro dos mesmos parâmetros. Prova a assertiva inicial o Fato de muitos conceitos se terem tornado transitórios. O Progresso das últimas décadas tem feito com que o antigo fique para trás e dê lugar ao novo. Os conhecimentos se alteram diante de outros, que, cada vez, perduram menos tempo. O mais recente deles parece ser cada vez mais frágil. O novo envelhece em ritmo cada vez mais rápido. As resultantes desse Fato interferem de modo direto no Comportamento do médico. A relação médico/paciente é afetada por tais circunstâncias, pois, no dia a dia com o doente e seus familiares, a possível conquista de novos conhecimentos suscita esperanças e até mesmo ilusões - e isso no momento de tomada de decisão a respeito de procedimentos definitivos. A irreversibilidade de muitos procedimentos exige condutas conscientes e ponderadas, uma vez que o médico, ao fazer o prognóstico, sente suas limitações, além de ser sempre ele o primeiro a saber do malogro do Tratamento. Embora, hoje, tenha-se a sensação do Envelhecimento precoce dos objetos, dos instrumentos, dos aparelhos, das máquinas e até mesmo das idéias, uma Observação acurada permite distinguir certas ocorrências paradoxais. Trata-se de circunstâncias, ou mesmo desdobramentos, decorrentes do próprio Progresso. Resgate de conhecimentos antigos - Aquele mesmo Progresso que relegou muitos conhecimentos recentes, ocasionalmente condiciona a volta à atualidade de alguns antigos. Em certos momentos, parece que o presente busca, no passado, o alicerce para progredir. Conotações modernas são dadas a saberes antigos e estes são revalorizados. O obsoleto retorna, então, com o valor do atual. Para exemplificar como esse Fato ocorre, vou lembrar dois casos. Nos primórdios deste século, na Universidade de Estrasburgo, o Prof. Phillipp Bellocq ministrava suas aulas de maneira diferente da dos demais especialistas. Enquanto outros ensinavam a Anatomia descritiva ou sistemática, tratando de cada Aparelho de per si, ou a topográfica, tratando de cada uma das regiões, ele ensinava a Anatomia de corte, pois, imaginando a secção do Corpo humano em determinados níveis, indicava todas as estruturas nele contidas. Na época, os anatomistas rejeitavam o método e faziam impiedosas críticas ao seu autor. Hoje, com o advento da tomografia computadorizada, da Ultra-sonografia e da ressonância magnética nuclear, essa Técnica é o que a Anatomia tem de mais moderno para possibilitar ao médico interpretar as imagens que essa tecnologia avançada lhes oferece. Não bastasse esse exemplo, e para citar um autor brasileiro, lembro ainda Silva Santos, Professor da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro que, em 1934, publicou na Revista Brasil-Médico um Trabalho intitulado Um Coração no pé, no qual ressaltava o papel da Palmilha venosa na Circulação de retorno; mostrava que, durante a deambulação, firmar o pé no solo leva à Compressão da Pele e do subcutâneo da região plantar, impulsionando-se, a cada passo, um jato de Sangue na Circulação. Seria, no seu entender, um Coração Auxiliar. Esse Trabalho não teve repercussão na época. Entretanto, em Londres, há dez anos, foi apresentado um Aparelho Equivalente a uma sandália, acoplada a um Sistema de bomba compressora intermitente, que massageia a Planta do pé e, assim, em doentes acamados comprime a palmilha venosa, impulsionando o Sangue na Circulação. Tal Aparelho poderia ser chamado, então, Coração artificial do pé. O mais moderno dos métodos merece comentário especial. Trata-se da Ultra-sonografia. Este exame baseia-se nos princípios Físicos do Ultra-som. É conhecido pelo nome de um físico que viveu no início do século passado - Christian Doppler, que nasceu em Salzburg, na Áustria. Dotado de grande conhecimento Matemático e de exuberante raciocínio científico, certa vez, estando na Estação de Viena, observou que o apito da locomotiva mudava de tom quando esta se aproximava ou se afastava. Explicou o Fenômeno admitindo que, com a aproximação da fonte, mais ondas sonoras chegam ao Ouvido do espectador, enquanto, pelo afastamento, as ondas se rarefazem. Quando os intervalos entre as ondas são mais curtos, o som torna-se mais Agudo; quando são mais longos, torna-se mais grave. Este Fenômeno decorre da modificação da “freqüência aparente”. A mesma observação, transporta para a luz, mostra que, no primeiro caso, a tendência é para o violeta e, no segundo, para o vermelho. Na ocasião, o próprio Doppler admitiu a possibilidade de se aproveitar esse conhecimento para estimar a velocidade de Deslocamento da Fonte. Foi esse conhecimento que a tecnologia aproveitou, um século mais tarde, para, elaborando sofisticada aparelhagem, introduzir na Propedêutica médica mais um exame não invasivo. Vê-se, com esses três exemplos, que bons conhecimentos, embora não utilizados por certo período, têm, a seu tempo, possibilidade de reaproveitamento. O velho que se torna novo é, nos casos referidos, realidade inconteste. Progresso - No campo do conhecimento, o Progresso, particularmente o tecnológico, ocorre de duas formas: pelo aprimoramento e por saltos. Assim, quanto ao aprimoramento, este sempre implica em elevação do Índice de sensibilidade, nitidez e precisão. Miniaturização e barateamento de custo são outros índices de aprimoramento. Mas, quando se trata de qualquer instrumento, Aparelho médico, exame ou qualquer Procedimento médico, tem-se em conta, também, o grau de segurança e, sobretudo, de inocuidade. Este, entretanto, tem significado maior quando o Progresso ocorre por saltos ou por mudanças de método. Tenho em mente o que aconteceu quando se conseguiu passar dos exames clássicos para os não invasivos. Foi o que ocorreu, por exemplo, nos exames por imagem. Assim, o Raio X, que já se aprimorara com a Câmara Odelca, teve mais um avanço quando foi acoplado ao computador, já que, neste caso, o radiologista fica longe da Ampola geradora dos raios. Contudo, ainda em imaginologia, o grande salto mesmo se deu com o advento da Ultra-sonografia. Com esta, desaparece o Perigo de Dano para o doente que se submete a exames por este método e, também, para o profissional que o aplica. Confirmando o Progresso por aprimoramento e o por saltos pode-se dar dois exemplos na Área da Farmacologia. Os anti-inflamatórios deram a John Vane o Prêmio Nobel em Medicina em 1969. Tais medicamentos, de largo uso terapêutico, são responsáveis por sete mil mortes anuais nos Estados Unidos em decorrência de seus efeitos adversos. Hoje John Vane vem lançar no Brasil um Produto com efeitos colaterais bem mais fracos que os demais. Está sendo introduzida no mercado uma nova insulina que permite ao Paciente maior flexibilidade de horário. Sabe-se que no Brasil há perto de dez milhões de diabéticos, quase dois milhões são do Tipo I, ou seja, insulinodependentes, enquanto os demais podem viver bem só com dieta e exercício e, às vezes, têm de usar hipoglicemiante oral. Todos e, particularmente, os primeiros, devem fazer um Controle rigoroso para evitar os efeitos nefastos nas camadas internas das artérias, causando, se não houver rigoroso controle, lesões graves e progressivas nos rins, Retina e nos pés. Podendo, dessa maneira, encurtar o tempo de vida ou prejudicar sua Qualidade. Entretanto, desde que o Controle seja bem feito, as condições e probabilidade de vida quanto ao tempo e Qualidade são equivalentes às da população que não padece dessa Doença. Os pesquisadores alteraram a molécula de insulina humana produzida em laboratório. Essa modificação mudou as propriedades do medicamento, fazendo com que ele atinja mais rapidamente a corrente sangüínea e comece a agir. Essa conquista é um aprimoramento muito benéfico para o paciente, mas a Bomba Infusora computadorizada, quando barateada e simplificada, representará um salto no Progresso. Ela já está à disposição no mercado, mas o seu custo é elevado e exige, para seu uso, elevada Capacidade intelectual do Paciente. Obsolescência da aparelhagem – a obsolescência é o mal que vem imbutido no Germe do Progresso. Ao ser lançado um Aparelho novo, o modelo Anterior “ipso facto” torna-se obsoleto. Tal condição torna-se cruel para os países subdesenvolvidos como também para os desenvolvidos. Os primeiros porque não dispõem de recursos para manter atualizados seus equipamentos e, os últimos, pelo Fato de estarem se tornando vítimas do consumismo exagerado. Equipamentos modernos - Enquanto no campo das idéias a obsolescência ocorre da Forma apresentada, com eventuais surtos do que se poderia chamar de renascimento, o mesmo não se dá em outros territórios. Na medicina, por exemplo, as coisas são bem diferentes quando consideramos o instrumental ou aparelhagem nela utilizada. Quanto ao equipamento, em se tratando da Parte física, a obsolescência é muito rápida. Basta o lançamento de um modelo novo, com modificações adjetivas, para que o preexistente se desvalorize. Ele perde seu valor de mercado e chega a não ser vendável, embora esteja funcionando a contento. O simples Fato de já haver uma geração nova de qualquer aparelho, ainda que não tenha chegado ao mercado nacional, é suficiente para desvalorizar aquele que está em uso. Como atualmente o Progresso da tecnologia está ocorrendo mais às custas das conquistas obtidas pelo computador do que propriamente por ela, parece que o futuro se apresenta mais promissor. Estão aparecendo aparelhos que se aprimoram apenas pelo acoplamento de um software - harware. Um simples programa instalado em lugar já previsto ou a substituição de outro antigo torna-o moderno e o transforma em Aparelho de nova geração. É o que se pode chamar de modernidade em tempo real. Mas de todo o progresso, o fundamental é a melhor compreensão do fenômeno, o maior entendimento da Doença e da resposta do organismo a ela, aos Medicamentos e aos procedimentos para combatê-la. Morte dos Medicamentos - Há uma grande preocupação em se conhecer os efeitos secundários dos medicamentos, uma vez que são, na grande maioria das vezes, adversos, fazendo-se notar, em certos casos, até em gerações futuras. Esse Fato leva à freqüente reconstituição do Arsenal terapêutico e a química contribui brilhantemente para tanto. Em Cultura & Saúde, Andrejus Korolkovas lembra que “há Medicamentos que parecem eternos, que provavelmente jamais morrerão”. Refere-se ele aos “extraídos de fontes naturais, sobretudo plantas medicinais, que a humanidade vem utilizando desde priscas eras. Há também Medicamentos que, introduzidos antes de nosso século, continuam a ser intensamente usados. Entre estes citam-se os de origem vegetal, como a atropina, cafeína, efedrina, emetina, escopolamina, fisostigmina, morfina, papaverina, pilocarpina, Quinina e tubocurarina; e alguns sintéticos como o Ácido acetilsalicílico, Ácido salicílico, Ácido undecilênico, éter, metenamina, nitroglicerina e óxido nitroso. O Ácido acetilsalicílico, em particular, introduzido na terapêutica inicialmente como Analgésico e antipirético, vem encontrando outros empregos. Vários Medicamentos introduzidos neste século para o Tratamento de determinadas doenças, com o uso corrente e a Observação encontraram também outros empregos. Por exemplo, os estrogênios, usados no Princípio como repositores da Deficiência desses hormônios, são hoje usados também como antineoplásicos, profiláticos da osteoporose e anticoncepcionais. A lidocaína, planejada e sintetizada para ser Anestésico local, é também usada como anti-arrítmico. O dipiridamol, que entrou na terapêutica como anti-anginoso, é agora Empregado como inibidor da agregação plaquetária, Adjuvante antitrombótico, Adjuvante de Diagnóstico e Adjuvante profilático de reinfarto do Miocárdio. O minoxidil, inicialmente utilizado apenas como anti-hipertensivo por via sistêmica, é atualmente usado também como estimulante do Crescimento do cabelo em Alopecia androgenética por via tópica. Outros medicamentos, descobertos há pouco tempo e de início usados em certas doenças, são hoje empregados somente para outros fins terapêuticos. Por exemplo, o alopurinol, planejado para ser antineoplásico, acabou sendo utilizado como anti-hiperuricêmico, antigotoso e antiurolítico. A buspirona, introduzida como antipsicótico, é hoje utilizada apenas como ansiolítico. A ciclosporina, isolada de Fungos na expectativa de obter novo Agente antifúngico, provou ser excelente imunossupressor. A clonidina, originalmente usada como descongestionante, é agora empregada como anti-hipertensivo, antidismenorréico, supressor da Síndrome de Abstinência de opióides, Adjuvante no Tratamento da Síndrome de Menopausa e profilático da Cefaléia Vascular. Certos Medicamentos são retirados do mercado para depois voltarem ao Arsenal terapêutico com indicações diferentes. É o Caso clássico da Talidomida. Sintetizada em 1954, foi muito usada como hipnótico até que se verificou ser teratogênica e, por isso, proibiu-se seu emprego. Recentemente foi re-introduzida, mas para Tratamento de certos tipos de Hanseníase. Outro exemplo é o clioquinol, utilizado como Antidiarréico por muito tempo. Por ser dotado de potencial apreciável para produzir neuropatia mielo-óptica subaguda (SMON), quando administrado por via oral, foi retirado do comércio e em muitos países, mas reintroduzido em vários deles para ser usado por via tópica em infecções bacterianas e fúngicas. Dá-se também o Caso de alguns medicamentos, indicados para determinadas doenças, serem substituídos por outros, mais eficazes e menos tóxicos. Por exemplo, o niridazol, inicialmente usado no Tratamento da esquistossomose, com a introdução da oxamniquina e, mais tarde, do praziquantel, muito mais eficaz e menos tóxico, passou a ser apenas alternativa ao metronidazol ou tiabendazol no Tratamento da dracunculíase. O niridazol, portanto, está Moribundo. Agonizantes também estão, entre outros, a aminofenazona (anti-inflamatório), bromofórmio (antitussígeno), digitoxina (cardiotônico), fenazona (analgésico-antipirético) e niquetamida (analéptico), seja porque causam graves efeitos adversos, seja porque apresentam Margem muito estreita entre a Dose terapêutica e a Dose tóxica. A Morte definitiva dos medicamentos, por sua vez, pode ser atribuída, principalmente, a causas como toxicidade excessiva, potencial para causar Dependência física e/ou psíquica, falta de comprovação científica de Eficácia. Outros fármacos ainda caem em desuso pela sua grande probabilidade de promover o surgimento de germes resistentes”. Período probatório da aplicação prática - Há, além disso, na medicina, um fator frenador do Progresso. Trata-se da passagem da teoria para a prática. Há, para toda Droga ou método terapêutico, seja clínico ou cirúrgico, um Período probatório. Nesse período, o medicamento, o método terapêutico, são submetidos à experimentação animal, passando, depois de estimado seriamente o Risco de efeitos colaterais adversos, à experimentação humana para, finalmente, entrar no uso corrente da prática médica. Esse Período experimental visa a prevenir efeitos indesejáveis, que, além de serem maiores do que o bem esperado para o próprio doente, podem alcançar até os seus descendentes. A constante dinâmica do conhecimento confirma a Transitoriedade do conhecimento mas, também, o reaproveitamento das idéias de todos os tempos utilizando o Impulso das conquistas tecnológicas.