Preceitos éticos e legais do médico: mudanças entre as edições

De Enciclopédia Médica Moraes Amato
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Edição atual tal como às 17h10min de 11 de setembro de 2011

As questões relativas à Ética médica, assim como a ética, em geral, têm sido matéria da ampla discussão nos anos mais recentes. Se tivéssemos de escrever um tratado de Ética médica, com a inteira Responsabilidade de autoria única, certamente poderíamos adotar uma atitude crítica não só em relação às novas questões éticas com as quais se vem defrontando a medicina, como também em relação às questões que constituiram, no passado, todo o domínio da Ética médica. Escrevendo, porém, um só capítulo ao lado de vários outros colaboradores, entendemos mais aconselhável ater-nos aos preceitos éticos que são Parte de legislação vigente, sobre eles comentando o que parece ser mais oportuno. Assim, por exemplo, questões aparentemente atuais pelo tumulto de sua divulgação, como a da eutanásia, do abortamento, dos transplantes e outras, e que, a rigor, não se encontram ainda convenientemente disciplinadas por lei que possa atender a todas as peculiaridades éticas e de execução nelas envolvidas, não deverão ocupar a Atenção do leitor, neste capítulo, ao menos para além de sua Disciplina legal. Ao contrário, partiremos diretamente do Código de Ética médica que, apesar de parecer a muitos já ultrapassado em vários dos seus dispositivos, tem apenas quinze anos de idade, recentemente completados. A primeira Observação que devemos fazer em relação ao mesmo Código, é a de que nele existem disciplinadas questões de ordem ética, questões de ordem legal e também questões que são simplesmente de etiqueta. Sobre estas últimas, não seria demais lembrar que a palavra vem do francês “étiquette”, que teve o primeiro sentido, também existente em português, de um pequeno papel que se cola a outra, donde também se origina o verbo etiquetar. Somente em 1607 e, mais tarde, largamente divulgado no século XVIII, nasceu o Sentido cerimonial em uso na Côrte, a partir de Felipe, o Bom. Este Sentido de ordem, protocolado, Regras comuns para o encontro de autoridades, é aquele que inspira grande Parte das disposições do Código de Ética Médica, não só nas Relações que presidem o Trabalho médico em geral, como também, especialmente, nas Relações dos Médicos com seus colegas e nas suas Relações com os pacientes. A uma primeira leitura do Código de Ética Médica, muitas destas Regras de etiqueta poderiam parecer dispensáveis e, até mesmo, ingênuas, como àquelas que disciplinam a Conferência médica ou o Comportamento a seguir quando dois ou mais Médicos são chamados simultaneamente. Entretanto, se quiséssemos com a mesma desatenção julgar as Regras de etiqueta da Corte inglesa ou simplesmente, a Forma de encontro das autoridades de um e de outro Estado, não escaparíamos à conclusão crítica de que não há mais Sentido em etiqueta alguma. Devemos, pois, partir de uma premissa diversa: as etiquetas existem e estão presentes numa extensão muito maior de nossa vida e de toda a nossa atividade. Não são elas sempre normas escritas. São, porém, normas simples de comportamento, ditas de educação, e às quais obedecemos espontaneamente sem jamais por em questão a sua razão de ser. Não será, portanto, o simples Fato de vê-las agora, escritas, que deverá levar-nos a julgá-las de menor respeito. Numa palavra, são elas as normas mínimas da Educação que devem obrigar os Médicos nas Relações com seus colegas e com seus pacientes. Além delas estão as normas de natureza Ética; e, depois, as normas que são também da lei geral. As normas de natureza Ética distinguem-se das normas de etiqueta porque nas primeiras os valores sancionados têm por pressoposto o sentimento e a vontade moral, consideradas ao nível da unicidade e universalidade. Ainda que se possa sempre discutir se realmente as normas éticas são únicas e universais, mormente quando a elas se opõe o relativismo das normas consideradas “in concreto” próprias às diversas culturas e seus períodos históricos, o que importa para a caracterização dos valores éticos é o convencimento, em cada caso, de serem eles valores que não consentem no seu contrário e que, de igual modo devem obrigar universalmente a todos. Assim, por exemplo, na questão do Abortamento e em outras de igual relevância, como na experimentação humana, assume o Código de Ética uma posição nitidamente proibitiva que tem em vista a defesa do que se entendeu constituirem valores morais. Na primeira hipótese, o conceito de vida, então vigente constitui, certamente o valor ético que impede o médico de provocar o Abortamento. É certo que este mesmo conceito poderia ser discutido; porém, o que importa ressaltar é que, ao adotá-lo como valor ético, houve o convencimento, na elaboração do Código de Ética, de que se trata de um valor indiscutível. Também, se se quisesse argumentar com os códigos de outros povos, até mesmo mais evoluídos, nos quais não existisse igual proibição, ainda assim o argumento não prevaleceria contra o convencimento e a certa interior de estarmos nós com a verdade e os demais incorrendo em Erro. Exemplo, mas sugestivo é o das experiências “In anima nobili”. São elas, em princípio, proibidas pelo nosso Código de Ética que apenas ressalva as hipóteses de Tratamento ou Diagnóstico. De modo muito mais imperativo são elas proibidas quando os propósitos são bélicos, políticos, sociais ou eugênicos. O valor moral que se procura resguardar é ainda o valor da vida e da saúde, que poderiam encontrar-se em Risco. Sabe-se, entretanto, que mais recentemente estas experiências – salvo quanto aos últimos propósitos – vieram a ser autorizadas pela Declaração de Helsinque. Com esta nova Norma pos-se em questão o valor ético até então sustentado na generalidade dos códigos de Ética médica. E, por esta razão, até que a Consciência Ética se acomede à nova norma, permissiva das experiências “in anima nobili”, continuam ainda os pesquisadores do passado a respeitar o valor ético da Norma Anterior. Esta situação revevla bem que as questões éticas não se definem apenas em termos do quanto se autorize ou se proiba em lei. Nelas é sempre mais importante o convencimento do valor ético que nos leva, muitas vezes, até mesmo a opor-nos à lei, repetindo, em cada Caso de consciência, a tradicional discussão sobre a distinção entre o que é Moral e o que é legal. Numa primeira aproximação, entende-se que os valores jurídicos sancionados pela lei escrita, representam o Mínimo ético indispensável à vida da sociedade. A uma exame mais rigoroso, porém, vemos muitas vezes a existência de leis escritas que não somente deixam de trazer qualquer conteúdo ético, como também são contrárias aos valores morais que constituem o nosso convencimento ético. Esta situação traduz bem a posição delicada em que se encontra o médico quando, devendo de um lado respeitar as normais legais, poderá sentir-se, de outro lado, obrigado eticamente a uma conduta diversa. Questões recentes como as dos transplantes de Órgãos e tecidos, que já constituem prática usual e necessária, comportam a Incidência de problemas éticos ainda não extensamente sentidos e resolvidos. Já dissemos que não trataríamos neste capítulo das questões polêmicas como a do Diagnóstico de morte, relativamente aos transplantes, e do abortamento, que assumem em nossos dias conotações éticas diversas, nem da eutanásia, que não nos parece constituir, ainda, um problema próprio para a medicina brasileira, nos moldes em que ela é proposta e sustentada para a medicina alienígena. Mesmo sem nos atermos a estas questões polêmicas, elas revelam bem as dificuldades de se conciliarem os preceitos éticos elaborados anteriormente à existência destas novas situações, e, com eles, também os preceitos legais, com as situações em que o médico se encontra presentemente a nas quais ele deve determinar sua conduta. É claro que, em situações desta natureza, deve prevalecer o convencimento ético. Este convencimento poderá não existir em Norma positiva, na Forma de Preceito escrito. Poderá, também, não decorrer de Preceito legal e, até mesmo, vir a ser entendido como contrário à lei. Este é o Risco próprio ao exercício da medicina. Não estamos, evidentemente, dizendo ao médico que deve ele agir contrariamente à lei. Apenas, ressaltando que na Ausência de Norma legal proibitiva, e, também, na Ausência de Preceito ético já escrito, deve ele procurar no seu convencimento ético a Norma própria à sua conduta. Pouco importa que outros venham a julgá-lo mais tarde por modo diverso ao que entendeu ele ser o seu dever. A verdade é que não poderia ele, nem poderá o médico em qualquer situação, simplesmente suspender a ação e nada fazer, apenas porque não há Preceito legal ou Preceito ético explícito. Neste convencimento ético deve o médico ter presente que a sua obrigação para com o Paciente é muito maior do que a sua obrigação para com a lei ou para com a moral dos outros. Estas noções resumidamente indicadas deverão servir também para o julgamento do que usualmente se entende constituir um Erro médico. Até agora ele tem sido visto apenas como Erro próprio à prática médica, desconhecendo-se que, juntamente com esta prática, há sempre também uma prática Ética. Assim, a maior ou menor Imputabilidade do Erro médico não é questão apenas de competência ou de perícia, mas também da maior ou menor dedicação com que o médico, em circunstâncias às vezes impróprias e limitadas, se dispos a agir na tentativa de melhor servir ao seu Paciente. Este é o elemento ético que há de estar indissoluvelmente associado ao julgamento do Erro médico. De outro lado, nele há de supor-se também a auto-crítica indispensável para que nessa tentativa possa o médico avaliar o Risco maior ou menor a que está expondo o seu Paciente e, nessa avaliação, há um elemento ético. Vê-se, então, que o mesmo elemento ético que poderia, numa hipótese, diminuir o grau de responsabilidade, noutra hipótese se tornaria Agravante desta mesma Responsabilidade. Além das questões decorrentes da Ausência de Preceito ético ou legal explícito, ou da conduta ditada por um convencimento ético seguro, contrária a preceitos já existentes, está a necessidade de se reformarem os mesmos preceitos, ou de se elaborarem preceitos novos. Não se poderia simplesmente autorizar o médico a desobedecer à Ética ou à lei escrita. Menos ainda, aconselhá-lo a que assim procedesse, sempre que seu convencimento não se conformasse com as normas escritas. De Ouro lado, se é certo que a lei nasce da consagração de um costume, toda reformulação Ética e legal haveria de, necessariamente, originar-se de Costumes e práticas novas. Neste impasse, não teríamos como esperar preceitos éticos novos sem que os novos modos de agir, talvez contrários aos preceitos existentes, viessem a questionar a validade e atualidade dos preceitos anteriores. Instaura-se, então, um verdadeiro jogo de desatenção discreta aos preceitos anteriores, simultaneamente com a criação de novas formas de conduta. E na medida em que estas novas formas de conduta revelam melhor sucesso, elas tendem espontaneamente a derrogar a vigência das normas anteriores, até virem a elevar-se como preceitos novos da Ética e também da lei. É a teoria do metajogo que está implícita em toda evolução do Direito, e também na evolução da Ética. Alguns exemplos poderão ser lembrados sem que neles se comprometam a prática médica e o Código de Ética. É sabido que o Código de Ética veda a Cirurgia de esterilização, somente autorizada em alguns casos de indicação precisa. Estes casos puderam permitir que ela se generalizasse de tal modo, a ponto de muitos Médicos e muitos pacientes que a procuram, nem sequer saberem tratar-se de prática proibida pelo Código de Ética Médica, e até mesmo pelo Código Penal. Há, evidentemente, um desrespeito discreto à proibição legal para o qual se terá sempre a defesa de uma indicação médica. Estamos em meio do metajogo; e, mais tarde, poderá a mesma Intervenção ser autorizada até mesmo independentemente de Preceito novo, apenas com a simples discriminação do que até agora se entendeu constituir Lesão corporal. Esta alteração virá, primeiro como Jurisprudência em relação à lei penal, não havendo necessidade, sempre, de modificação da lei escrita. Quando ao Código de Ética, a simples Ausência da punição quando qualquer motivo vier a ser aceito como indicação tornará letra morta o precieto ético que não resistiu à prática contrária reiterada. Outro exemplo, este mais conclusivo, está na proibição do Código de Ética médica de o médico até mesmo anunciar, clara ou veladamente, Processo ou Tratamento destinado a evitar a Gravidez. O plano, ora em ampla discussão pelo governo do país, no Sentido de disciplinar-se o Crescimento demográfico, com a orientação sobre os meios de evitar-se a gravidez, representa a determinação de uma conduta, na qual está presente o médico que deverá agir contrariamente ao Preceito do Código de Ética médica. Seguem-se agora, as normais da lei geral, a partir das quais se tem procurado construir e definir o Direito Médico. Elas serão tratadas em capítulo à parte, do ponto de vista legal; a nós interessa, porém, o seu conteúdo ético. Cuidaremos especialmente de três tópicos principais que nos parecem envolver os preceitos mais relevantes da Ética médica: a Responsabilidade médica, a vocação médica, e o Segredo médico. Ao correr de nossa análise, outras questões virão. Não serão questões menores; porque em Ética não será sempre possível dizer de questão maior ou menor. Não há quantidade nas questões éticas; a ação ou a Ética ou não é Ética. Julga-se apenas pela sua Qualidade. Ocupando-nos dos preceitos éticos mais relevantes quaremos indicar, apenas, alguns preceitos ou princípios maiores em relação aos quais outras situações menroes serão julgadas; até porque não seria próprio à indole deste escrito comentar separadamente os vários artigos do nosso Código de Ética médica. Como já dissemos, entende-se que o Direito, além de outras normas sem Interesse ético, como as normas tributárias, por exemplo, visa a assegurar o respeito a normas éticas que são, para ele, essenciais à vida social. Por essa razão, estabelece ele sanções através das quais procura assegurar o cumprimento das normas éticas essenciais. É nesse Sentido que nos interessa, então, conhecer os preceitos éticos assegurados pelas normas jurídicas. As sanções do Direito Civil são de ordem pecuniária, e têm um Propósito duplo, o que torna menos clara a sua natureza Ética. Dirigem-se elas para a obrigação de o médico reparar, pecuniariamente, os danos decorrentes de atos Médicos praticados, sem cautela, sem conhecimento, ou sem toda a Atenção que seria de exigir-se. Em linguagem jurídica correspondem estas situações aos atos Médicos praticados com imprudência, com imperícia, ou com Negligência. Se de uma, ou mais de uma dessas circunstâncias, sobrevém Dano para o paciente, estará o médico obrigado a reparar o Dano através de Indenização que deverá pagar ao Paciente. Esta é a teoria da Culpa adotada pelo nosso Direito Civil, e que se vê definida em geral e não apenas para os médicos, através da disposição do artigo 159 do Código Civil, que é o Princípio em que se inspira a teoria dos Atos Ilícitos. Toda prática médica é lícita, como toda prática profissional, desde que satisfeitos os requisitos da habilitação profissional. O que não é lícito, é exercer a prática profissional, e no Caso a prática médica, com imprudência, Imperícia ou Negligência. Este é o ato Ilícito que a lei pune, obrigando a reparar o Dano que possa decorrer, através de Indenização pecuniária devido ao Paciente. Nestas modalidades – imprudência, imperícia, ou Negligência – é que se configura a Culpa, em geral e particularmente, a Culpa do médico; Culpa denominada Culpa Aquiliana, por sua origem na Lex Aquilia, do antigo Direito Romano. A pergunta que nos vem é a de saber-se, agora, se a obrigação de indenizar é somente uma Penalidade imposta ao médico. Já aludimos ao Propósito duplo que pode haver nas sanções de natureza pecuniária. São sanções, indiscutivelmente; se tanto é certo, que mesmo no Direito Penal, há também penas secundárias, ditas multas, aplicáveis ou separadamente, ou associadas às penas privativas da Liberdade. Mas não são elas apenas sanções; antes, visam assegurar, à vítima do Dano médico, as condições de sobrevivência que lhe eram próprias. Não se indeniza o Dano pelo valor do Órgão lesado; não há tabelas de valores para uns e outros dos membros e sentidos. O Princípio é outro: é da redução da Capacidade de trabalho, temporária ou permanente, parcial ou total, que resulta do Dano havido em conseqüência do ato médico, além do Ressarcimento dos gastos correspondentes. Por essa razão, também, a Indenização não se constitui de um valor único, pago de uma só vez, mas também de uma prestação de alimentos calculada na proporção do quanto a redução da Capacidade de Trabalho veio privar a vítima dos alimentos por ela havidos com o seu Trabalho. Este Princípio é tão certo que, se o Dano para a vítima se constituir de morte, o Direito de exigir a reparação, e a obrigação de prestá-la, transmitem-se com a herança (artigo 1526); o que equivale a dizer que a prestação de alimentos erá devida, em Caso de morte, a quem a vítima os devia, ou aos que dela eram economicamente dependentes (artigo 1537, II). Só estas considerações revelam, à evidência, que a Responsabilidade civil do médico envolve um Preceito ético muito mais extenso do que a própria Responsabilidade penal. Numa e noutra delas, a Sanção é de ordem a evitar-se, quanto possível que o médico, agindo com culpa, possa trazer Dano ao seu Paciente. Na Responsabilidade civil, porém, mais do que simplesmente prevenir-se o Dano impõe-se para o médico a Responsabilidade de uma prestação alimentícia que, ao lado de sua conveniência econômica, tem um conteúdo eminentemente ético no qual se quer assegurar as condições de sobrevivência para a vítima, ou para seus dependentes econômicos. Assim, quando o Código de Ética Médica, paralelamente com a legislação comum, estipula em seu artigo 45 que o médico responde civil e penalmente por atos profissionais danosos ao cliente, o que nele ressalta não é a simples indicação da Responsabilidade legal, que é a matéria da lei ordinária, mas a Responsabilidade Ética do médico de socorrer também economicamente as vítimas de sua imprudência, Imperícia ou Negligência. Este é o Preceito ético que deve ser procurado e encontrado; pois, de outro modo, não seria necessário mais do que simplesmente a lei ordinária. De outro lado, na Responsabilidade penal do médico, não vemos o mesmo Preceito ético. De nada aproveita à vítima, nem aos seus dependentes econômicos, a imposição, ao médico, de Condenação penal. Nem mesmo a teoria retributiva da Pena teria lugar numa indagação de ordem Ética. Impor-se o mal da Condenação para retribuir o mal que se quer punir, não constitui Procedimento ético. Nem se poderia argumentar com satisfação devida à vitima, em relação à qual, aliás, nada de ético se estaria satisfazendo, além de apenas atender-se aos seus primitivos impulsos de vingança. Não, é portanto, de natureza ética, o Preceito da Responsabilidade penal do médico. Serão outras razões de sua existência; desde a razão intimidativa, com ela procurando-se evitar a Culpa irresponsável, até à razão preventiva de se evitarem novos erros. Mas em nenhuma vez se poderá na Responsabilidade penal, encontrar-se um Preceito ético, no Sentido próprio da vondade moral. A importância, porém, do longo capítulo VI do Código de Ética Médica, está no seu próprio título que trata da Responsabilidade profissional do médico, e não somente de sua Responsabilidade legal. Constitui pressuposto elementar da Ética a autoria da ação. Só há Responsabilidade Ética quando há Responsabilidade pela autoria da ação Ética. Este Princípio se desdobra em várias modalidades. A principal delas é a da autonomia da vontade, à qual corresponde a espontaneidade da ação Ética. Este A ação Ética nasce de seu autor, como nasce do artista a sua obra de arte. Não há valor na ação heterônoma, inspirada e dirigida por valores impostos, quando a vontade não é livre. Outra modalidade deste princípio, e que constitui a contrapartida da autoria da ação, é ser a Responsabilidade Ética intransferível. Mesmo quando na ação existem vários autores, a Responsabilidade Ética não poderá ser dividida entre eles. Ela existe “In solido”, ou por inteiro, em relação a cada um dos que participaram da ação, sendo, todos eles, solidariamente responsáveis. Também as circunstâncias conhecidas e previsíveis e, então, assumidas, ou elas são imprevisíveis e, neste caso, não há Responsabilidade de que cogitar. Estes preceitos são também do Direito Penal, e através deles vemos que a Responsabilidade penal referida em nosso Código de Ética médica se inspirou na conceituação jurídica historicamente Anterior. Não diríamos, e não queremos dizer, que estes preceitos éticos se transportaram do Direito para a moral; ao contrário, entendemos que, por sua natureza ética, neles é que se inspirou o Direito Penal. O que queremos dizer é apenas que, na Responsabilidade penal do médico se encontram os mesmos preceitos éticos que interessam à Ética médica, como o Princípio da solidariedade que não consente dividir-se o “quantum” da Pena pelo número de autores do delito, nem alegar-se o resultado não procurado, mas previsível, quando o Delito ultrapassou a intenção menor. Os princípios jurídicos da coautoria, que mandam aplicar-se a mesma Pena a todo aquele que houver participado do Delito e, da assimilação do Dolo indireto (preterintencionalidade) ao Dolo direto, desde que o resultado havido era previsível e foi assumido, correspondem aos preceitos éticos presentes em nosso Código de Ética médica. Estas questões vêm resumidamente disciplinadas no Código de Ética Médica, que, em seu artigo 46, cuida precisamente da inteira Responsabilidade Ética que o médico deve assumir como o autor único de seus próprios atos, não dividindo com terceiros, nem para eles transferindo a responsabilidade, que será, sempre, igualmente inteira para todos eles; não e consentindo, também, na divisão das mesmas responsabilidades quando as circunstâncias pelas quais se quer responsabilizar a ocorrência eram razoavelmente previsíveis e, ainda assim, foram assumidas. A preterintencionalidade relativa às circunstâncias previstas e assumidas se torna tanto mais relevante para o julgamento ético quanto é certo que, pelo mesmo preceito, o médico é o autor único do Tratamento. Reservando o Código de Ética médica a competência exclusiva do médico na escolha do Tratamento é simples de ver-se a Responsabilidade Ética maior que ele assume, não só em relação à execução de suas prescrições, à escolha de seus auxiliares, como também em relação às circunstâncias ocasionais que somente poderão ser argüidas quando realmente impossíveis de ser previstas ou calculadas na extensão maior de seus riscos próprios. Trata-se ainda, de outra modalidade do Princípio de autoria da ação ética, pela qual, sendo o médico o único competente, será também o único responsável. O Princípio geral do “primum non nocere”, vem lembrado no Corpo do artigo 48, sem constituir Preceito próprio e restrito ao mesmo artigo. Não é ele, a nosso ver, um Preceito próprio apenas da medicina, nem um Princípio de comando para a ação ética, já que poderia conduzir o médico até mesmo à inação. É antes um Princípio de contenção, que somente tem lugar como Limite para a prática médica inspirada no Princípio de servir, que obriga à ação. Convém deter-nos mais longamente. Não praticará Erro médico o médico que nada fizer. Mas, não é esse o maior Propósito da medicina, entendida como prática comprometida à ação. Originada, como ciência e arte, da existência Anterior do próprio médico e, entendido o médico como aquele que assumiu o encargo de cuidar (do latim, medeor), o Preceito tradicionalmente repetido do “primum non nocere”, não poderia sobrepor-se ao Princípio ético maior, que é o Princípio de servir. Tantas vezes seria mais cômodo para o médico “primum non agere”. Entretanto, é o seu dever maior de intervir que o levar a assumir riscos nem sempre possíveis de serem calculados com a segurança que se quer no Preceito do “non nocere”. Estas situações, que se tornam mais comuns para a medicina contemporânea, na qual aos maiores recursos correspondem maiores riscos, obriga-nos a ver naquele Preceito clássico um Princípio de contenção para a ação do médico que não deve ultrapassar os limites da prudência, mas que não deve recear o imperativo ético da sua Intervenção. Trata-se, como se vê, de um Princípio antigo. Mas, nem mesmo por ser vetusto, ele tem na sua ancianidade o aval de sua verdade. É também do seu tempo o Preceito de que o médico na verdade nada mais é do que uma consolação para o espírito (medicus enim nihil aliud est quam animi consolatio). E não haveria ninguém, entre Médicos e pacientes, que, apesar das limitações próprias da medicina, pudesse hoje repetir esse brocarado. São eles – “primum non nocere”, e “Nihil aliud est”– preceitos próprios de uma História da medicina e da cultura em que realmente eram pequenos os conhecimentos e recursos, ao ponto de preferir-se nada fazer: o médico que prescreve ao doente a Cura do tempo, prescreve um Remédio melhor do que se houvesse Empregado ferros (medicus dedit Qui temporis morbo curam is plus remedii quam cutis sector dedit). Mas ninguém haveria de, em nossos dias, ter da medicina a mesma imagem de inoperância, a ponto de sobropor qualquer daqueles preceitos ao Preceito ético Superior de apostar na cura, mesmo apesar dos riscos. A imagem, aliás, representa o inverso de outro brocardo, também clássico e impropriamente repetido, quando se quer saber da vocação médica. Diziam os antigos que o médico, às vezes cura, muitas vezes alivia e, sempre, é uma consolação (medicus quando que sant, saep lenit, et semper consolatio est). Ainda que se quisesse, em nossos dias, sustentar a verdade possível de existir, em parte, naquele brocardo, ninguém haveria que pudesse atrever-se a nele ver, a e a nele reduzir a vocação médica. São questões diversas saber-se até que ponto a medicina alcança, todas as vezes, o compromisso de sua vocação ética, e, de outro lado, qual a natureza Ética de sua vocação. O que não se poderá, porém, é desnaturar-se a sua vocação ética, no Cálculo de quantidade de seus ensaios e erros. Se quiséssemos, realmente, pesar o quanto de verdade ou não há naquele brocardo, teríamos de recorrer a dados Estatísticos impossíveis de serem levantados para sabermos, dos atendimentos médicos, quantas vezes pode a medicina curar mais do que simplesmente aliviar a dor, ou aliviar a dor mais do que simplesmente consolar o espírito. Uma Estatística nesta direção estaria, porém desde logo comprometida pela inevitabilidade da Morte lançando a débito do médico o que não é sempre próprio da medicina evitar de acontecer e que, “in extremis”, lhe seria impossível de evitar. Dissemos, porém, que não é nos resultados alcançados pela medicina e quantitativamente julgados, que se deverá procurar a natureza de sua vocação Ética. Ao contrário, até mesmo quando esses resultados diminuíssem o crédito que a consagra, mais se acentuaria a natureza Ética de sua vocação. É ela – a medicina – uma vocação. Mais do que a ciência parcialmente sistematizada de conhecimentos particulares, por vezes não organizados com o rigor procurado e, mais do que a prática necessariamente ousada de sua intervenção, a medicina é uma vocação Ética de vida. Assim como o advogado é o “ad vocatus”, também o médico e o sacerdote são “ad vocatus”, ou chamados, ou eleitos e escolhidos para uma missão. A missão do advogado é a defesa do direito, para a qual ele é chamado. O médico é o advogado da Saúde. Há, portanto, no apelo ou chamamento à profissão do médico, uma eleição ou escolha para uma missão especial; e deste modo é que deve ser entendida a vocação médica. É importante saber, então, qual é essa missão; para que é chamado o médico. No estudo dos problemas vocacionais, tem-se procurado, em nossos dias, a aplicação de testes. Esta situação é terrivelmente triste e desapontadora. Na realidade, não são eles testes vocacionais; são testes de habilidades específicas, ou de habilidades reunidas em grupos, à maneira de Thurstone. Do melhor desempenho de umas e outras dessas habilidades, concluem os outros qual é a nossa vocação e passamos então,a acreditar na vocação que nos indicaram. Dissemos que a situação é triste, e temos várias razões. Em primeiro lugar, habilidade não é vocação. Muitos dos resultados aparentes nos testes são resultados de experiências de aprendizados anteriores condicionados em “curricula” onde, por vezes, uma verdadeira vocação se perdeu, criando-se, nesse vazio, interesses vicários que não são vocação; à Margem tudo o quanto há de precário e até arbitrário na construção dos testes, sua aplicação e sua interpretação, não cremos que possam os testes vocacionais, ou assim denominados, ir além de uma mensuração duvidosa de habilidades já condicionadas por aprendizado Anterior. Em relação à medicina, esta ressalva é de importância especial. A variedade de domínios em que se desdobra a prática médica, desde as habilidades de verdadeira arte até à magia do inconsciente, não poderia jamais comporta-se na divisão de habilidades ainda desconhecidas. Outra razão desta digressão – não de todo inútil – está no que entendemos ser próprio da vocação médica; sua natureza Ética. Há uma Ética da vocação. Há, na vocação, um apelo ético que é determinante de nossa eleição. Antes de procurarmos o que há em nós, que melhor ossa coincidir com a prática da medicina, é indispensável saber o que essa prática da medicina há de pedir de nós. Neste encontro é que me parece existir uma transcendência da natureza Ética da vocação do médico e, talvez, de várias outras atividades. Desde muito cedo, todos nós sabemos o que queremos ser. Esta destinação não deve ser desprezada. Nela está a nossa vocação. Que especialidade tomar mais tarde é a modalidade de exercício de nossa vocação, assumida agora a partir do quanto mais possa Ter-nos entusiasmado. O que não podemos é tomar a preferência por uma especialidade, que é ato às vezes de simples dileção racional ou de encantamento, pela vocação que há de constituir-se na destinação de nossa existência. Este preceito, que é o maior de todos os preceitos éticos da medicina vem desenvolvidamente exposto nas “NORMAS FUNDAMENTAIS” do nosso Código de Ética Médica, em seu capítulo I e, ocasionalmente, repetido noutras disposições. Antes de saber o médico quais serão as normas para o exercício de sua atividade, deverá ele, encontrar-se vocacionalmente com a medicina; isto é, saber o que é a medicina. Daí a Norma do artigo 1o , que vale por um credo médico, a partir da qual se escreveram seus principais deveres e proibições. ‘Cuidar da Saúde do homem”– diz o Código; é toda a vocação da medicina. Aparentemente irrelevante, por que todos sabem, é, a nosso ver, o Preceito ético de maior relevância; porque não se trata de apenas sabê-lo, mas pode sentir-se realmente vocacionado para ele. Tudo a que tiver o médico de renunciar; tudo o que houver ele de assumir, virá espontaneamente de sua própria vocação: cuidar da Saúde do homem. Este compromisso somente pode ser compreendido a partir da transcendência Ética da vocação médica. A medicina só é profsssão na medida em que este compromisso for professado. Sem a aceitação desse compromisso, poderá o médico ser o excelente artista da cirurgia, o excelente vidente clínico e ministrador de remédios, mas não será vocacionalmente médico, porque não se inspirou, nem professou esta destinação vocacional de sua existência: cuidar da Saúde do Homem. Não se trata contudo, apenas de uma profissão de Declaração ou de simplesmente um credo professado. Trata-se de um Comprometimento. O verbo latino, medeor, moderis, apesar de sua Forma passiva, é depoente; dele veio medicare e remediare e seu Sentido é de trazer, para alguém, medicamento e Remédio (medelam et remedium affero). Desta prática de curar nasceu a imagem do médico, que tem esta arte de curar e a professa (qui medendi artem habet et profitetur). Este insistente Sentido da prática, que é a ação do médico trazendo com ele o Remédio (do grego, “praxis”, ação) é importante de ser ressaltado para que se possa avaliar o Preceito ético dominante da medicina. Ao contrário de uma ciência, da qual nasceriam os Médicos nela iniciados, ela – a medicina, é que nasceu da arte de curar e da imagem do médico (ars medendi a medicus. Sua natura adjectivum ets. Nam a medicus fit medicinus, a, um). Reporta-se a ciência ao problema do conhecimento. Trata a Ética do problema da ação. Entendida assim, a medicina – até mesmo através de sua Derivação etimiológica, como ciência de quem tem a arte de curar – ressalta mais o conteúdo ético que a obriga a ser, antes e mais do que uma ciência, um compromisso ético de cuidar de alguém. No exercício deste compromisso encontrará o médico limitações e riscos. Limitação que, para el e, impõem suspender a ação; riscos que o obrigam a avançar para o desconhecido. Os critérios de julgamento não serão sempre claros, e o sucesso de sua Intervenção ou omissão serão sempre discutível. Do ponto de vista ético, porém, valerá o seu convencimento próprio. Se assumir riscos com o Propósito de maior proveito para o doente, cumrpiu ele o seu dever de médico. Se, convencido do maior dano, suspendeu sua ação omitindo-se dos mesmos riscos, igualmente cumpriu ele o seu dever de médico. Em conclusão deste tópico poderíamos então dizer que o médico que só consola, não é médico. O médico que muitas vezes alivia, só é médico algumas vezes; quando se trata de mal para ser apenas aliviado. O médico que, às vezes Cura é sempre médico, porque essa é a verdadeira vocação da medicina. O médico tem que apostar na Cura. Mesmo quando circunstâncias desconhecidas não permitam calcular os risco, não deverá ele abandonar a roleta, simplesmente porque não tem certeza do resultado. Para cada lance perdido, deverá fazer um novo lance. E somente terá por cumprida a sua vocação quando todos os lances se perderem ou quando tiver a certeza de que todos os dados já foram jogados. Este Preceito ético que ousadamente propomos poderia vir a colidir com o quando sabemos da Responsabilidade legal do médico. Apostar na Cura envolve riscos; insistir na aposta será assumir riscos sucessivamente maiores. E a Responsabilidade Ética do médico não será sempre coincidente com a sua Responsabilidade legal. Haverá o médico, então, de esperar de seus julgadores que, além da lei pela qual habitualmente se dirigem, possam eles compreender a vocação Ética da medicina que, não operando com a segurança dos computadores, há de dirigir-se pela Estratégia da aposta sobre o desconhecido. A última das questões que no Código de Ética médica nos parece constituir Preceito relevante e, lamentavelmente, é menos cuidada pelos médios, é a do Segredo médico. A seu Propósito importa, também, desde logo acentuar que não tem ela sido convenientemente compreendida pelas autoridades policiais e judiciárias. É indispensável, pois, que os Médicos venham a conhecer também a casuística própria das situações com que possam defrontar-se para não se sentirem constrangidos a abrir mão da proteção que a própria lei concede no Sentido da mais rigorosa observância deste Preceito ético e também legal. É certo que as circunstâncias atuais do exercício da medicina, praticada mais largamente em hospitais nos quais se sucedem os Médicos atendentes que devem, igualmente, ter acesso aos prontúarios Médicos mantidos à guarda de pessoal paramédico, já não permitem todo o rigor com que, no passado, era o Segredo médico guardado pelo único médico Assistente. Estas circunstâncias, porém, não poderiam ser argüidas todas as vezes em que se vê quebrado o segredo médico, sem razão que constitua justa Causa e, até, criminosamente. A importância da guarda do Segredo médico pode ser medida sabendo-se, desde logo, que a sua quebra constitui Crime previsto em nossa lei penal. Antes, porém, de analisar sua natureza penal importante conhecer sua natureza Ética. É Parte do Juramento de Hipócrates a guarda do segredo: “Tudo o que eu vir ou ouvir na sociedade, durante o exercício ou mesmo fora do exercício de minha profissão, eu calarei o que não tiver jamais necessidade de ser divulgado tomando a discreção, nesses casos, como um dever”. A gravidade do uso da palavra indiscreta da qual não se pode medir o dano, vem ressaltada, com propriedade, na imagem poética da Ética neotestamentária: “a palavra que, como a cetelha, incendeia uma floresta”(Epístola de Tiago, capítulo 03). O Princípio está na imprevisibilidade do Dano: a centelha jamais poderia supor, na sua pequenez, que ela viria a incendiar uma floresta. Tudo o que dizemos poderá incendiar vidas alheias por multidões de dias. Não quisemos provocar o Incêndio; mas quando ocorre, não podemos mais evitá-lo. Não soubemos que ocorreria; mas não nos perguntamos se era necessário que lançássemos a centelha. São questões que dizem respeito à ética, em geral, e à gravidade que nela tem a Incontinência da palavra, à pergunta indiscreta e à resposta que não deve ser dada. Porque não é toda pergunta que temos o Direito de fazer. E até mesmo a resposta não verdadeira é moralmente lícita, quando com ela se quer resguardar um valor moral maior. Na Ética médica, o Preceito diz respeito ao conhecimento não só da doença, mas também de fatos surgidos no relacionamento entre o médico e o Paciente. Mas seria difícil seprar-se o conhecimento que decorreu de uma, ou de vária consultas, ou do cliente permanente, do conhecimento que, não decorrendo somente dessas relação, pudese ser revelado. Para a ética, é evidente que o rigor há de ser maior do que para o Direito; e não será pedir demais à Ética o segredo de tudo o que se souber sobre o paciente, em razão ou não do exercício profissional. Nada perderá o médico com essa discreção, como nada perderia ninguém se a ninguém nada revelasse do quanto, por qualquer razão, viesse a saber de outrem. A Análise jurídica deste Preceito servirá melhor para esclarecer suas dimensões éticas. Encontra-se no artigo 154 do Código Penal com o título de Violação do segredo profissional e tem a seguinte redação: “revelar alguém, sem justa causa, segredo de que tem ciência em razão de função, ministério, ofício ou profissão, e cuja revelação possa produzir Dano a outrem; Pena: Detenção de três meses a um ano, ou multa”... “somente se procede mediante representação”. No artigo anterior, trata-se também do Crime de divulgação de segredo contido em documento particular em correspondência confidencial. Da comparação entre a redação de um e outro destes artigos, inclusive quanto à Pena que é menor para o artigo anterior, vê-se a gravidade maior que o legislador entendeu existir na Violação do segredo profissional. Antes, tratava-se da divulgação de um segredo qualquer, isto é, tornar púbico um segredo de que se tem ciência como seu destinatário ou detentor. Quando ao segredo médico, porém, não é necessário que se tenha divulgado. Desde que somente revelado, já existirá, em tese, o Delito. A seu respeito, diz a lei de violação, e não de divulgação, o que bem demonstra a Violência Ética maior que existe na quebra do segredo profissional. As ressalvas constantes da lei têm também um conteúdo ético. Mas a extensão destas ressalvas não será a mesma para a Ética e para o Direito. Para que a Violação do Segredo médico constitua o Delito previsto na lei penal é necessário que dessa Violação resulte Dano a outrem e que, para ela, não tenha existido justa Causa. Quanto ao dano, é necessário ressaltar, desde logo, que não é o Dano apenas para o paciente, mas também para qualquer terceiro. Diz a lei Dano a outrem. Em muitas das consultas médicas, e no seu histórico, há terceiros envolvidos e indiscretamente nomeados pelo Paciente. Também estes terceiros tem Direito a proteção da lei, nada podendo o médico revelar em relação a eles, e que pudesse constituir-lhes danos. O conceito jurídico de Dano é extenso demais e impreciso para que se possa dele dar uma enunciação apriorística. É casuístico, devendo-se, em cada Caso julgar de sua ocorrência ou não; mas é também personalíssimo, podendo constituir Dano para alguém o que, até mesmo em sua generalidade, não é Dano para outros. A esta altura é importante ressaltar que a noção de dano, para o direito, é de natureza eminentemente patrimonial. Em nosso direito, especialmente, não há Reparação pelo Dano moral, a não ser quando com ele, ou dele, resultem também conseqüências de natureza patrimonial. Essa é a índole do Direito nosso e de vários povos que melhor guardaram a tradição do antigo Direito romano. Essa é a índole, ou o Princípio geral, muito embora se encontre nele uma hipótese de Reparação que, a nosso ver, tem mais Sentido penal do que propriamente de proteção contra o Dano moral. Trata-se da disposição do artigo 1547 do Código Civil: “A Indenização por Injúria ou calúnia, constituirá na Reparação do Dano que delas resulte para o ofendido; e seu parágrafo: “se este não puder provar prejuízo material, pagar-lhe-á o ofensor o dobro da multa no grau máximo da Pena respectiva. Vê-se bem, da simples transcrição, que o que se repara não é o Dano moral, mas o Dano material que dele resulte. Na Ausência de Dano material, o pagamento se calculará a partir da Pena criminal; e tem ele, também, natureza penal e não de Reparação. A importância com que destacamos a noção de Dano tem em vista, precisamente, distinguir o Preceito jurídico do Preceito ético. O Dano que interessa ao Direito será o Dano possível de Avaliação econômica para, nesse limite, ser indenizado; ou quando constituindo apenas Dano moral, ser a Indenização calculada no dobro da Pena pecuniária prevista na lei penal. A própria aplicação da pena, em razão da lei penal, não constitui Reparação à vítima. Para a ética, entretanto, é muito mais extensa a noção de Dano e também de sua irreparabilidade. A Condenação penal não interessa à vítima, nem à Ética; seria até mesmo contrário à Ética pretender-se dela que a Condenação penal constituisse Reparação moral à vítima. A Indenização civil, especialmente quando limitada somente às hipóteses de Injúria e calúnia, não constitui também reparação, e tem igualmente natureza penal. Destas considerações resulta claro que, interessando à lei o Dano patrimonial, à Ética interessa o Dano moral. Se, para a lei, há Reparação possível, para a Ética não é possível a Reparação do Dano moral. É desde Dano moral que cuida a Ética; do mais, cuida o Direito. O Preceito ético a ele relativo não poderia enunciar-se, em uma ou muitas normas. Nele estão presentes todos os deveres que, em cada circunstância, que, naquelas circunstâncias, devam obrigá-lo ao segredo. Dentre estes deveres e proibições, diz a lei da justa Causa. O Preceito é também ético; mas também em relação a ele, nem toda Causa será igualmente justa para o Direito e para a moral. A noção é, primeiramente, jurídica: Justa vem de “jus”, que quer dizer Direito. Justa Causa será, portanto, uma Causa de direito, como ocorre naquelas vezes em que a própria lei obriga a Comunicação do segredo. Em nossa legislação, a lei obriga a Comunicação de determinadas moléstias, com vistas à segurança da Saúde de terceiros e ao Tratamento próprio que deve ser dispensado aos pacientes. Há, evidentemente, um Interesse ético naquela obrigação da lei, coincidente com o Interesse jurídico. Com a mesma sabedoria, a lei que obriga comunicar à autoridade competente o Crime de ação pública (Lei das Contravenções Penais, artigo 66) ressalvou, no seu inciso II, quanto ao médico, que essa obrigação somente haverá quando dela não resultar Procedimento criminal contra o seu cliente. Não houvesse essa ressalva, teríamos uma Colisão entre o Preceito jurídico e o Preceito ético. Se a lei tivesse mantido a obrigação de o médico comunicar a existência de um Crime de ação pública, do qual o seu cliente seria o autor, a justa Causa do Direito não seria justa Causa para a Ética. Em situações históricas ocasionais, muitas vezes se impos aos Médicos a obrigação da quebra de segredo, em razão de propósitos bélicos, de Perseguição de povos e de Eugenia. São casos acontecidos de evidente oposição entre o Preceito legal e o Preceito ético; entre a justa Causa para o Direito e a justa Causa para a moral. Justa causa, porém, não é apenas aquela que deriva de um Direito escrito e ocasionalmente contrário à própria razão de ser de todo Direito. Entre os antigos romanos, “jus” queria dizer também a arte do que é bom e da eqüidade (jus est ars boni et aequi); e as normas do Direito escrito se entendiam inspiradas no Direito natural (jus naturale este quod natura omnia animalia docuit). Entre os hebreus, em acordo com sua conceituação do Estado teocrático, “justiça” era igual a “misericórdia”. Quando então se diz que Deus é justo, não se espera dele a rigorosa punição. Ele é o Deus da misericórdia. Seriam incontáveis as possibilidades de alongar-nos na demonstração. Demonstrar não é a arte de criar a verdade, mas simplesmente de convencer porque é verdade, a verdade da qual partimos. Já anteriormente compreendemos que as normas do Direito escrito poderão não constituir sempre “justa causa” e não deverão, portanto, constituir apenas elas, razão para quebra do segredo médico, mormente porque acima dela shá de prevalecer sempre o Preceito ético. Ainda da própria lei penal podemos concluir a relevância do Preceito ético relativo ao segredo médico, se atentarmos para a capitulação do Delito. Estudamos em particular a capitulação penal da Violação do Segredo médico. Situa-se como Crime contra a inviolabilidade dos segredos, que é Parte dos crimes contra a Liberdade individual, subordinada, ainda, aos crimes contra a Pessoa. Convém determo-nos mais longamente. Trata o Título I da Parte Especial do Código Penal dos crimes contra a Pessoa. Em seus vários capítulos, trata este título dos crimes contra a vida, contra a honra, e contra a Liberdade individual. Neste último capítulo, em suas secções, encontram-se os crimes contra a Liberdade pessoal, contra a inviolabilidade do domicílio, inviolabilidade da correspondência, e contra a inviolabilidade do segredo. O Preceito ético ressalta com evidência nesta simples indicação. É o Preceito da Liberdade humana. Ainda que variando as penas, esta Liberdade é posta como essencial à pessoa, do mesmo modo que sua integridade física. Sem Liberdade que é também privacidade, e sem honra, não há Pessoa humana, nem Pessoa moral. E que outro Preceito poderia elevar mais alto a vocação médica do que o dever de o médico preservar também a Liberdade moral de seus pacientes? Este escrito é o elogio do médico; é o Espelho de Caliban, onde deverá ele ver ou não a sua Face: O desagrado do século XIX pelo Realismo é o ódio de Caliban ao ver sua própria Face no espelho. O desagrado do século XIX pelo Romantismo é o ódio de Caliban não vendo a sua própria Face no espelho. [Armando Canjer Rodrigues]