Verdade e seu conceito
Há três conceitos de verdade. Um ocorre quando o que se diz é coerente com o que se sabe. Isso se chama o critério da coerência. O segundo ocorre quando, posta em prática, mesmo que não seja em prática tecnológica, mas em prática de realização de cálculos, realiza o que diz, ou seja, funciona (critério pragmático). O terceiro, quando revela uma correspondência com a realidade a que se refere. Isto é, entre pensamento e realidade (critério da correspondência). Esses são os três critérios clássicos de verdade. Pelo primeiro, só é verdade aquilo que está de acordo com o que já sabemos. Mas o que já sabemos pode estar errado, o que a gente venha a saber também pode estar errado, e os dois podem estar de acordo. Portanto, isso não é critério de verdade. Outro é pragmático: verdade é tudo aquilo que funciona. Dá certo, então é verdade. Não. Pode não ser verdade. O terceiro é a correspondência com aquilo que ocorre. Se eu digo uma coisa que corresponde ao que acontece, então essa coisa é verdadeira. Seu eu digo uma coisa que não corresponde ao que acontece, então o que eu estou dizendo não é verdadeiro. O critério pragmático de verdade foi usado por muitas pessoas. Inclusive no Caso de Galileu. O cardeal Belarmino, que era amigo de Galileu e inquisidor do ex-dominicano Giordano Bruno, disse o seguinte: “Galileu será prudente se falar hipoteticamente – ex suppositione, é próprio dizer que descrevemos melhor as aparências admitindo que a Terra se move, e o Sol está parado” – diz ele – mas não quer dizer que a Terra se move e o Sol está parado. Não precisa, isso ninguém quer saber. Mas funciona – fazendo os cálculos, dá certo. Assim, Galileu deveria falar como sendo hipótese – hipótese que, quando empregada na matemática, dá certo. Não há nenhum Perigo nisso, é claro, pois o Sujeito fica em cima do muro. E é só o que a matemática exige, quer dizer, uma Aparência de verdade. Um outro bispo, que prefaciou o livro chave de Copérnico, disse: “As hipóteses não precisam ser verdadeiras, nem parecidas com a verdade; basta que nos permitam fazer cálculos que estejam de acordo com as nossas observações”. Em outros termos: se funciona na matemática, é aceitável, não precisa ser certo. Ninguém vai afirmar, ninguém vai arriscar o Corpo numa fogueira para dizer que o Sol está parado e a Terra é que gira ao redor do Sol. É preciso tomar cuidado para não dizer isso. É preciso dizer que funciona, é uma “verdade” do Tipo que funciona. Mas Karl Popper, um dos grandes filósofos da ciência moderna, disse que a ciência não é a procura da verdade, mas a procura da verossimilhança, daquilo que parece verdade. Na realidade, o cientista está lidando sempre com verossimilhança. Se a coisa parece verdade, ele aceita. Não precisa ser verdade, porque ele não lida com verdades. Verdade é algo muito elevado para ele, que lida com a verossimilhança. Há um exemplo que acha muito bom sobre o que o cientista aceita como verdade. O cientista lida muito com conceitos probabilísticos de verdade. Quer dizer, usa a teoria da probabilidade para descobrir a verdade. Toda probabilidade implica duas coisas: um Fato futuro e nossos conhecimentos atuais. Digo a um casal de primos em primeiro grau que, em vista de um irmão da mulher ser aquirópoda – ou seja, nasceu sem os segmentos terminais dos braços e das pernas – a probabilidade de que esse casal venha a ter um filho ou filha aquirópoda é igual a 4%. Então, se alguém me faz uma consulta nesse estilo, minha resposta é 4% por Gestação. Se esse casal tiver o primeiro filho aquirópodo, eu direi que, numa segunda gestação, a probabilidade não é mais de 4%, é agora de 25%. Como? Era 4% com o que eu sabia na época, mas passou a ser 25% com o que eu sei agora. Mudou a probabilidade? Não. Mudou o meu conhecimento. Antes, era 25% também, mas eu não sabia disso. Então, eu falava 4% como verdade. A minha resposta de 4% estava correta na época em que foi dada. Na segunda gestação, aumentei a probabilidade para 25%, e esse número passou a ser a verdade. Imagine que a mulher tivesse ficado grávida e, por ecografia, se verificasse que a Criança não seria aquirópoda – se o casal me pergunta qual a probabilidade de a Criança Nascer com o problema, nesse Caso eu respondo zero, porque eu sei que nesse Caso a Criança não é aquirópoda. Assim, a probabilidade começou com 4% e era verdade. Passou para 25% e era verdade na época. Passou depois para zero, que também era verdade. Quer dizer, as três eram verdades, mas não eram verdades verdadeiras. Eram verossimilhanças (parecidas com a verdade). Na ciência, é preciso distinguir principalmente duas coisas: uma são as chamadas declarações, ou proposições protocolares – o caderninho que o cientista usa no laboratório chama-se protocolo. Tudo que ele verifica num dia de trabalho, anota no livrinho. Ele diz, por exemplo: a Água aqui ferve na Temperatura de 99 graus Celsius. Isso é uma Declaração protocolar, pode ser verificada de novo. O que se faz então? Mede-se de novo a Temperatura da Água em ebulição e verifica-se, ou não, que Água ferve a 99 graus. Uma outra Declaração protocolar dum Tipo completamente diferente: a Terra é redonda. Aristóteles, 500 a.C., já sabia que a Terra era redonda. Isso não é uma teoria, é uma Declaração protocolar. De fato, quando os satélites artificiais e as astronaves que estiveram fora da terra fotogrfaram o planeta, verificaram que era mesmo redondo. Foi dada uma prova de que a Terra era redonda. Porém, o Fato de a Terra ser redonda nunca foi uma teoria, é uma proposição. Alguns diziam que era chata, outros que era redonda, e foi verificado que era realmente redonda. Isso são proposições, declarações científicas que podem ou não ser provadas. Mas existem as teorias. As teorias não podem ser provadas. As teorias só podem ser corroboradas. Se a gente tem uma teoria, obviamente essa teoria deve ter sido apoiada em fatos. Karl Popper disse que, quando um cientista propõe uma teoria, deveria acrescentar a ela a Forma como alguém poderia demonstrar que aquela teoria estava errada, não que está certa, porque nunca se pode mostrar que está certa. É claro que nenhum cientista faz isso. Na hora de propor sua teoria, ele nunca se lembra de propor uma série de testes que pudessem provar que a teoria está errada. Esses testes provariam seu erro, se a teoria estivesse errada, mas não provariam que ela está certa, Caso estivesse. O cientista não pensa assim, ele tenta procurar cada vez mais coisas a favor da sua teoria, esquecendo que o que caracteriza uma teoria realmente científica é a Capacidade de mostrar que ela esteja realmente errada se de Fato estiver. Se alguém chega perto de mim e diz: eu tenho uma teoria tal que explica tudo. Eu digo: não é científica. Se explica tudo, não é científica. A teoria tem que proibir algumas coisas – quanto mais uma teoria proíbe, mais segurança ela tem de ser verdadeira. Se uma teoria não proíbe nada, explica tudo, é claro que ela pode ser verdadeira ou falsa, mas não é científica. Nunca se pode mostrar que uma teoria é verdadeira. A gente pode mostrar que os fatos estão de acordo com ela, mas podem também, estar de acordo com outra teoria. Portanto, as declarações protocolares podem ser provadas, mas as teorias não. A coisa mais importante que a ciência tem são as teorias. Mas tudo que há na ciência são coisas científicas? Antes fossem, mas não são. Os fatores não científicos, como religião, política, nacionalidade e autoridade, são muito importantes para o desenvolvimento e a aceitação das teorias científicas. Por exemplo, uma teoria que vá contra a tradição religiosa de um povo será provavelmente posta de lado. Uma teoria que vá contra a Ideologia política de um partido certamente será posta de lado onde essa Ideologia política dominar. Por que? Só porque ela foi contra a Ideologia do partido. E a nacionalidade? Os franceses tiveram Dificuldade para aceitar a teoria de Darwin, só porque Darwin era inglês. Até há pouco tempo, havia lamarquistas na França, e no resto do mundo não havia mais. Por que? Porque Lamarck era francês. Logo, essa teoria era até pouco tempo aceita e defendida na França e odiada e posta de lado nos Estados Unidos e na Inglaterra. Assim, a nacionalidade é muito importante, inclusive no Sentido contrário, como é no Caso dos países subdesenvolvidos. Como é o nosso Caso: o que é brasileiro não tem valor. Se alguém diz que apresentaram uma teoria nova e que quem a apresentou foi um cientista brasileiro, as pessoas não dão crédito, acham que não é possível. Nós fazemos o contrário do que fazem os franceses, ingleses, americanos, etc. Na Inglaterra, uma teoria elaborada por inglês é logo aceita, porque é feita por inglês, na França é a mesma coisa, na Alemanha também. Esses fatores não científicos são muito importantes na aceitação ou Rejeição de uma teoria científica. Newton Freire-Maia