Globalização: mudanças entre as edições

De Enciclopédia Médica Moraes Amato
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Edição atual tal como às 17h21min de 11 de setembro de 2011

Comecemos recordando alguns fatos. Primeiro Fato. Olhando para o mapa mundi, percebemos que há uma faixa Horizontal de progresso, dos EUA, passando pelo centro europeu e uma Parte da antiga URRS, até o Japão. Nessa faixa penduram-se algumas tênues fitas verticais, até o sul do Brasil ou até a Austrália, por exemplo. Segundo Fato. Outra faixa horizontal, acompanhando o equador, abrange regiões de grande miséria. Vai da Colômbia, passando pelo norte do Brasil, pelo interior da África e pela Índia, até alguns pontos da Indonésia. Terceiro Fato. Cataclismos, de variadas ordens, têm-se tornado comuns. Enchentes na Escócia, na Ibéria, no sul do Brasil. Terremotos na Califórnia, no Oriente Médio e no Japão. Medo de poluição, Falta de água e de alimentos, por toda Parte. Quarto Fato. Há uma inegável uniformização de Comportamentos. Restaurantes de primeira linha, em Paris, em Bagdá, em Calcutá ou em Hanói, servem os mesmos pratos para os ricos. No Caribe, no Egito ou na China, as “casas de pasto” para pobres são as mesmas. As roupas se parecem; os calçados se tornam similares; os trejeitos não passam de grotescas imitações das momices de artistas; até as fisionomias começam a surgir como pequenas variações de um mesmo tema. As formas de lazer (futebol, bola-ao-cesto, corridas de autos,...) se tornam cada vez mais populares. A Violência toma conta do mundo. Quinto Fato. Em qualquer lugar, aumenta a população dos doentes, dos favelados, dos famintos. E aumenta a população dos “poderosos”, donos de TV, celulares e computadores. Sexto Fato. A grande indústria, dos “tigres asiáticos”, invadiu o mundo, obrigando a rever conceitos como os de produção, comércio, preço, e assim por diante. A tecnologia dos transportes facilitou a movimentação das gentes. O que foi privilégio de poucos é, hoje, algo acessível às grandes massas. Pessoas deixam lugares de origem. Pessoas voltam a seus lares. A imigração é Fenômeno de dimensões mundiais. Algumas raças deixam de preservar seus traços. Japoneses se misturam com brasileiros típicos, nas regiões do sul do Brasil. Outros povos, no entanto, procuram manter intactas suas tradições. Na Inglaterra, os hindus tomam conta das grandes cidades, conservando suas vestes e seus Costumes. Sétimo Fato. A Comunicação tornou-se necessária e, ao mesmo tempo, extremamente fácil. Notícias relativas a incidentes que ocorrem na Espanha ou no Paquistão se transmitem, de imediato, para a Nova Zelândia ou para Farewell, na Groenlândia. Descobertas feitas no Zaire repercutem, após instantes, no México. Essa facilidade de Comunicação trouxe uma conseqüência de enorme alcance. Será o oitavo Fato — o último, para não tornar demasiado enfadonhas as presentes considerações. Cientistas trabalham, mais e mais vezes, nos últimos tempos, em grandes equipes. Ótimos exemplos de Trabalho conjunto encontram-se no Physical Review Letters. Um dos artigos desse periódico (v. 51, n. 5, de 1983) tem 99 autores! W. Bugg, um dos autores, lembra que ele e os colegas partícipes, embora especialistas em campos diversificados, são todos da Área experimental. Por isso, acrescenta, nem ele nem qualquer dos companheiros estaria em condições de levar a cabo revisões teoréticas eventualmente exigidas para analisar os resultados obtidos pela equipe. Em compensação, continua Bugg, pesquisadores de inclinação teorética jamais realizariam o experimento. A par disso, mesmo unindo esforços com especial boa vontade, experimentalistas e teóricos não chegariam a planejar, construir e manter o equipamento requerido sem o auxílio de vários Técnicos altamente qualificados. Como esse Caso ilustra, muitas investigações, na atualidade, são feitas por grupos de pessoas que trabalham em diferentes centros de estudo e pesquisa, em várias partes do mundo. A situação pode ser facilmente levada da Física para outros terrenos, da Astronomia à Zoologia, abrangendo praticamente todos os ramos do saber. E pode, ainda, ser transportada para a vida comum, uma vez que a televisão, o Rádio e a Internet se encarregam de divulgar, por toda parte, qualquer coisa que alguém descubra — seja por observações, seja por inferências. Isso atesta, de modo claro, a espécie de “dependência epistêmica” em que hoje vivem e atuam os cientistas, os estudiosos e mesmo as pessoas que procuram manter-se informadas a respeito do que ocorre no universo. O conhecimento que um estudioso possui (ou alega possuir) depende, sem qualquer dúvida, do que muitos colegas observam e conhecem, bem como de informações que os pesquisadores cheguem a trocar entre si. Ora, tudo isso, como é óbvio, subentende uso de uma Língua (acessível a todos) na qual haja possibilidade de registrar o que se percebe, observa e sente, assim como de retratar grande variedade de maneiras comuns de pensar, raciocinar e inferir. É claro que nada assegura que o futuro se assemelhará ao passado — nem mesmo em alguns aspectos relevantes. Nada garante que uma reviravolta deixe de ocorrer, transformando as coisas de maneira radical. Assim, as conclusões seguintes só valem ao admitir que as gentes continuarão a agir como têm agido nestas últimas décadas e que os processos hoje manifestos não se desviarão de suas rotas atuais. Supondo, pois, que as tendências se mantenham, que vislumbrar? Há duas opções. A pessimista e a otimista. Na visão pessimista, o mundo, homogeneizado, fornecerá poucas coisas “básicas” diferentes, de modo que o “saber de” também tenderá a uniformizar-se. Os pobres saberão de Fome e de Morte; os ricos saberão de ciência e tecnologia. Os pobres precisarão “saber como” sobreviver, em meio à Hostilidade prevalecente; os ricos “saberão como” dirigir aeronaves e multinacionais. Quanto ao “saber que”, provindo de inferências, não diferirá do atual — embora venha, por certo, aplicar-se a premissas de variada ordem. Deficiências alimentares reduzirão, naturalmente, as capacidades dos pobres e eles ficarão em situação cada vez mais precária. Boa educação, informações de valia e aprendizado apropriado permitirão, aos ricos, gradual melhora de sua situação. Aqueles caminham pelo mundo como formigas anônimas, servindo aos poderosos. Estes concentram em suas mãos a ciência e a tecnologia, formando pequenas elites, sem pátria definida, espalhadas em Estocolmo, Stuttgart, Tel Aviv, talvez mesmo em Vancouver e Buenos Aires, quem sabe em Pequim e Sydney. L. Sanders, romancista, autor de interessantes narrativas, continuando uma tradição inaugurada pelos Huxley (avô e neto) e mantida por Orwell, escreveu, em 1975, um livro impressionante: The tomorrow file (O arquivo de amanhã). Um Cérebro privilegiado é mantido vivo, eternamente, para resolver as dificuldades que os seres humanos enfrentam. Moços dominam o mundo, enquanto sua Inteligência se mantém ativa. Os velhos são convidados ao suicídio, pois já deram o que podiam dar, em termos de contribuição para a espécie. O final é quase tão pessimista quanto o que se vê no film “2.010” — onde os mortos, nas grandes cidades, são recolhidos pelos caminhões basculantes, para se transformarem em “massa alimentar”, atirada aos sobreviventes. Quase tão pessimista quanto o que V. Flusser (pensador tcheco, radicado no Brasil durante vários anos) registrou em seminário que conduziu, em S. José dos Campos, em 1965 e 66: os seres humanos serão tantos que não haverá espaço para que se movimentem; a espécie humana, como a conhecemos, deixará de existir. Seres humanos transformar-se-ão em gramíneas. Ninguém precisa, contudo, acolher esta visão pessimista. Pode preferir a otimista. Mas deverá ser traçada em termos individuais, concretizando os sonhos de cada um... Leônidas Hegenberg